quarta-feira, 15 de abril de 2009

Reportagem: Doença mental ou mediunidade? - Jornal A Tribuna, de Santos - 13/04/2009

Da Redação

FABIANA HONORATO

Enquanto a ciência busca a cura da esquizofrenia, alvo do apelo social da novela Caminho das Índias, uma parcela significativa da Medicina estuda a influência da mediunidade no desenvolvimento de doenças mentais. Muitos médicos acreditam que manifestações espirituais podem ser rotuladas como distúrbios.

Presidente da Associação Médico-Espírita (AME) de Santos, o otorrino Ricardo Sallum afirma que muitos distúrbios sérios são decorrentes de uma faculdade humana que, de acordo com Allan Kardec (1804/1869), permite o intercâmbio com a vida espiritual. "Há pessoas que ouvem coisas, que têm a clariaudiência, faculdade com a qual nasceram. Muitas se acostumam com as vozes, outras ficam perturbadas".

Segundo ele, esse dom humano é mais forte até os 7 anos, quando muitas crianças veem (vidência) ou ouvem coisas por conta de uma sensibilidade maior. Também pode surgir tardiamente, em qualquer época da vida ou próximo do que o espiritismo chama de desencarne, ou seja, a morte. "Umas pessoas são mais para-raios que outras, mas ainda não sabemos como isso ocorre".

A inexistência de um aparelho que capte o corpo espiritual (perispírito) e a necessidade de evidências fazem a psiquiatria ortodoxa rotular muitas das manifestações mediúnicas como alucinações.

Para o otorrino, a resistência da Medicina em acreditar em algo intangível pode levar a diagnósticos distorcidos. "Muitas pessoas estão ou estiveram em manicômios, taxadas de loucas, por apresentarem distúrbio mediúnico. A mediunidade que a pessoa tem e não sabe pode levar a problemas sérios", advertiu.

O presidente da AME-Santos reconhece que a Medicina já avançou, ao admitir a espiritualidade, mas afirma que, enquanto não se acreditar na existência do espírito, muitos males físicos e mentais permanecerão sem diagnóstico e consequente tratamento. A propósito, cita que as experiências de quase morte (EQMs) são a prova inequívoca da existência do espírito.

Ouvindo relatos de pacientes com mediunidade desenvolvida, Sallum salientou a importância da religiosidade para lidar com essa faculdade sem adoecer. Acreditar e praticar uma religião pode ser um freio para manifestações espirituais perturbadoras.

"Na religião, a pessoa pode encontrar respostas para o que vê ou ouve. No espiritismo, muitas trabalham a mediunidade e depois dão vazão a ela, ajudando a si próprias e, se possível a outras pessoas".

CURSO

Sallum levou a discussão sobre as influências do espírito na vida da pessoa para a sala de aula. Ele é um dos coordenadores do Curso de Pós-Graduação, em nível de licenciatura, denominado Bases da Integração Cérebro-Mente-Corpo-Espírito, da Universidade Santa Cecília.

Criada há oito anos, a especialização é uma das mais procuradas e tem como alunos médicos, professores, engenheiros, físicos, donas de casa e aposentados.

O conteúdo não têm conotação religiosa. As aulas são aos sábados à tarde e o curso tem duração de dois anos. Informações no telefone 3202-7104

Diagnóstico exige cautela e serenidade

Entendo que o assunto é bastante complexo e exige sempre muita cautela e também serenidade. Há várias hipóteses que devem ser consideradas quando se analisa o fenômeno das pessoas que ouvem vozes. Em primeiro lugar, deve-se considerar os estados psicopatológicos, em particular a esquizofrenia.

Para tanto, é necessário que haja uma avaliação, um acompanhamento e tratamento médico especializado, efetuado por profissionais habilitados e competentes. Nem sempre, entretanto, os médicos psiquiatras têm facilidade em estabelecer um diagnóstico.

Outra hipótese que deve ser avaliada são os processos obsessórios, quando o indivíduo, médium ou não, é submetido à fascinação, subjugação ou obsessão propriamente dita, de acordo com a classificação proposta por Allan Kardec e ainda hoje muito atual.

Nessas circunstâncias, a pessoa passa a receber a influência perniciosa e deletéria de uma individualidade extra-corpórea (espírito obsessor). Não deixa de ser, neste caso, também um processo psicopatológico.

Por fim, é preciso destacar uma terceira hipótese que envolve a mediunidade. Neste caso, o médium tem a capacidade natural de perceber em seu campo mental as emoções, sensações e ideias de um espírito comunicante.

Alguns médiuns ouvem o que esse espírito quer lhes transmitir. A imensa maioria dos médiuns kardecistas é de indivíduos absolutamente normais, ajustados à sociedade e que, de acordo com pesquisas científicas conduzidas recentemente pela USP, apresentam uma prevalência de quadros psiquiátricos inferior ao de um grupo-controle de não médiuns. Ou seja, uma capacidade mediúnica equilibrada acaba funcionando como um fator protetor à saúde mental.

Nem todas as pessoas que ouvem vozes são esquizofrênicas. Da mesma forma, nem todas são médiuns ou sujeitas à obsessão. Há de se considerar, ainda, a possibilidade de fraude ou de uma produção anímica, em particular em pessoas que sofrem de carências afetivas profundas.

Por fim, destaco que a associação entre as doenças mentais e os processos obsessórios é mais comum do que se pensa.

* ADEMAR ARTHUR CHIORO DOS REIS, MÉDICO, SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, É SEGUIDOR DO ESPIRITISMO

Comunicação pode ser benéfica

Aos sete anos, Ana (nome fictício) começou a sentir a presença de pessoas que não via e a ouvir vozes que lhe diziam algo sobre seus pais. As mensagens alertavam sempre para a separação do casal, por conta de uma terceira pessoa. "Achava que era coisa da minha cabeça, não falava sobre isso com ninguém. Mais tarde, aconteceu tudo do jeito que eu ouvia".

Quando perdeu o avô, aos 13 anos, a menina sonhava com ele frequentemente e recebia avisos sobre coisas que aconteceriam com ela. "Na última vez que sonhei com meu avô, ele disse que não iríamos nos encontrar mais, mas que um dia eu iria vê-lo e reconhecê-lo".

Mais tarde, já casada e trabalhando como enfermeira, Ana, muito apegada ao filho de 3 anos de um casal de amigos, se surpreendeu com o que ouviu da criança. "Ele era muito grudado comigo e um dia senti a presença do meu avô, o que me emocionou muito. Depois disso, passei a acreditar em reencarnação".

A mediunidade, que não aceitava, voltou a se manifestar quando um amigo muito próximo morreu e ela passou a ouví-lo com frequência. Ele queria dar um recado à mulher. "Eu entrava em desespero quando o ouvia, não aceitava. Só parei de ouvi-lo o dia em que dei o recado à viúva".

O episódio mais marcante foi quando ela confirmou o que uma voz lhe disse o que aconteceria. "Ouvi que iria haver um acidente e que eu deveria prender meu filho na cadeirinha do carro. Se eu não tivesse feito isso, ele teria sido arremessado quando o carro bateu", atestou.

Na busca pelo fim destas manifestações, Ana frequentou várias religiões, mas não encontrava as respostas, nem a tranquilidade que queria. "Há dois anos estudo o espiritismo, onde achei essa ajuda para entender melhor esses fenômenos. Estou gostando, mas prefiro não ouvir e nem sentir nada", disse ela, que pediu anonimato para não entrar em atrito com a família.

MOTIVAÇÕES

O médico gaúcho Mauro Kwi-tko, presidente da Associação Brasileira de Psicoterapia Reencarnacionista (ABPR), explica que a comunicação dos espíritos pode ter motivações diversas. "Pode ser um avô que desencarnou e quer ficar perto da família, um desafeto que quer se vingar ou um inimigo de uma vida passada. Mas eles também podem nos proteger e conversar, alertando e orientando".

Para conviver em harmonia com essa faculdade, o especialista, que é referência em psicoterapia reencarnacionista, recomenda a busca de ajuda espiritual. "Se a pessoa entender que essas vozes são de espíritos, pode conversar mentalmente com eles, mas o ideal é que a mediunidade seja estudada
".

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